Posicionamento SOGIPA sobre a Portaria GM Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020

A diretoria da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Paraná (SOGIPA) vem a público comunicar a sua concordância em relação ao posicionamento da FEBRASGO sobre a Portaria GM Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020 que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.

 

A Comissão Nacional Especializada (CNE) de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) vem a público manifestar-se sobre a Portaria GM Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.


A referida Portaria modifica a Portaria anterior nº 1.508 GM/MS, de 1º de Setembro de 2005, trazendo alguns pontos que necessitam da devida reflexão no interesse da melhor assistência às mulheres em situação de gestação decorrente de violência sexual. 

Sobre a obrigatoriedade da notificação à autoridade policial, essa Comissão defende que a denúncia deva ocorrer apenas por decisão da mulher respeitando-se o direito ao sigilo, à privacidade e à autonomia. A compulsoriedade da denúncia viola esses direitos, bem como impõe a quebra do dever ético de sigilo profissional, regulamentado pelo artigo 73 do Código de Ética Médica e tipificado como crime no artigo 154 do Código de Processo Penal por desrespeitar a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, cláusula pétrea presente no art. 5º, X, da Constituição Federal (Brasil, 1988). Além do prejuízo à necessária relação de confiança em um momento de assistência tão delicado, existem evidências de que esta atitude culmina frequentemente no afastamento da mulher dos espaços de assistência (HYMAN; SCHILLINGAN; LO, 1995; THOMAS, 2009), tem pouco ou nenhum efeito na condenação do autor do crime (HYMAN; SCHILLINGAN; LO, 1995; SACHS et al., 1998; ANTLE et al., 2010), além de expor a mulher ao risco de retaliação por parte do agressor (HART, 1993; ANTLE et al., 2010). A notificação obrigatória é contrária ao Código de Ética Médica, art 154 e a Constituição Federal 1988.


Sobre preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade profissional, essa CNE considera a importância de fortalecer a Atenção Humanizada às Pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios de acordo com a norma técnica do Ministério da Saúde 2015, além de capacitar continuamente os serviços de enfrentamento às vítimas de violência sexual e fortalecimento da Rede de Atenção para proporcionar acolhimento adequado às vítimas.    

 

Sobre a inclusão de médico anestesiologista na equipe multiprofissional que confere legitimidade ao laudo técnico, esta CNE considera medida sem fundamentação técnica, visto que este é um procedimento obstétrico  que prescinde de avaliação técnica de outra especialidade médica para ser realizado, sendo, inclusive, muitas vezes desnecessária intervenção do anestesiologista para controle da dor em caso de interrupções gestacionais, visto que a maioria desses procedimentos são realizados em gestações precoces, apenas com uso de medicações.

Sobre a oferta da visualização do embrião / feto através da ultrassonografia antes do procedimento de interrupção, essa CNE considera prática de tortura, medida com potencial danoso para a saúde emocional e psíquica de uma mulher cuja assistência deveria ser pautada pelo acolhimento e proteção. De acordo com o Código de Ética Médica, Art. 25: “É vedado ao médico: Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.”

Consideramos, portanto, que os pontos supramencionados merecem revisão, no melhor interesse de uma assistência à mulher em situação de violência sexual, pautada pela ética, pelo respeito e pelas evidências científicas.”

 

Referências

ANTLE, B.; BARBEE, A.; YANKEELOV, P. et al. A Qualitative Evaluation of the Effects of Mandatory Reporting of Domestic Violence on Victims and Their Children. Journal of Family Social Work, v. 13, p. 56–73, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 28 de ago de 2020.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em 28 de ago de 2020.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM – Brasil). Código de ética médica. Resolução nº 1.246/88. Disponível em https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf Acesso em 28 de ago de 2020.

HART, B. J. Battered women and the criminal justice system. Am Behav Scientist, v. 36, p. 624-38, 1993.

HYMAN, A.; SCHILLINGAN, D.; LO, B. Laws Mandating Reporting of Domestic Violence: Do They Promote Patient Wellbeing? JAMA, v. 273, n. 22, p. 1781-7, 1995.

SACHS, C. J.; PEEK, C.; BARAFF, L. J. et al. Failure of the mandatory domestic violence reporting law to increase medical facility referral to police. Ann Emerg Med, v. 31, n. 4, p. 488-94, 1998.

THOMAS, I. Against the Mandatory Reporting of Intimate Partner Violence. Virtual Mentor, v. 11, n. 2, p. 137-40, 2009.


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